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HERONDINA FERREIRA

Nascida em 1926, na então rua Conde de Castro, actual Prof. Pio Rodrigues, na casa onde ainda habita, a “Dininha do Cabo do Mar” como é ainda conhecida por muitos, evidencia bem as marcas do tempo, que vai limitando a mobilidade e saúde em geral, mas que vai mantendo bem viva as memórias dos tempos mais distantes e um apurado sentido crítico do presente.

Pai transmontano e mãe do Alto Minho

NF- Como vieram ter a Fão os seus pais?
D. Dina- ”Meu pai, António Ferreira era de Mata dos Lobos, Barca d’Alva, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo e como era marinheiro embarcado, esteve algum tempo em Seixas, onde conheceu minha mãe Adelaide Maria Fernandes. Lá viveram algum tempo e mais tarde ele entrou para a polícia marítima, tendo sido colocado em Esposende, para onde vieram morar.
Alguns anos depois vieram morar para Fão, que foi onde eu nasci, aqui nesta casa onde agora moro.”


NF- Desses tempos mais longínquos, quer nos contar alguns apontamentos?
D. Dina- ”De pequena, me recordo das populares brincadeiras de crianças, já que praticamente ninguém tinha brinquedos. Nós, as meninas, jogávamos “à Roda”, “ao Botão”, “ao Lencinho queimado”, “à Viana”, etc. De jovem fui aprender a costurar com a Rosa Lapa, que reunia em sua casa várias aprendizes. Fão era uma terra em que havia muitas bordadeiras e costureiras, que era a principal actividade das mulheres. ”

Arte do pai e generosidade da mãe

NF- Soube que o seu pai era exímio no concerto de máquinas de costura
D.Dina- ”É verdade! Ele ainda estava no activo e nos dias de folga tinha uma pequena oficina em casa onde se dedicava a arranjar máquina avariadas. Tinha umas mãos de verdadeiro artista, pois conseguia desmontar qualquer modelo de máquina de costura e tinha grande clientela, muita dela de fora. Depois que se reformou também começou a vender máquinas.
A minha mãe não costurava, mas era uma dona de casa de grandes primores e trabalhava num campo que tínhamos, onde plantava um pouco de tudo e na altura das vindimas, como o meu pai também fazia algum vinho, o que para nós crianças era uma alegria quando íamos ajudar. Ela era uma pessoa muito crente e eu costumava acompanhá-la à igreja, mas a sua bondade era ela própria que a promovia, pois era uma pessoa que gostava de ajudar os pobres, que raro dia não vinham lá bater á porta. Gostava de ajudar de forma discreta, principalmente aos “pobres envergonhados”, que eram aqueles que não tinham coragem de pedir. Ao Domingo cozinhava sempre a mais e depois eu ou o meu irmão Jaime, íamos levar a casa de alguns desses. Houve mesmo uma família que alimentava diariamente durante bastante tempo, tal a necessidade com que viviam. ”


Costureira e um irmão padre
NF- Como foi a sua juventude?

D. Dina- ”Sem grandes percalços. Fui-me dedicando à costura e ajudando a minha mãe em casa, com quem aprendi muita coisa, que me foi muito útil no futuro, quando constituí a minha própria família. Claro, que como única rapariga, tinha certas atenções e canseiras. Entretanto, em Fão havia muitos padres e quando meu irmão José decidiu entrar para o seminário, chegaram a andar lá mais 9 rapazes de Fão.
Ele muito pequeno já sentia essa vocação. Então um dia o Padre Jó, que era padrinho do outro (Jaime), quis falar com ele, para se aquilatar sobre as suas intenções, até porque ele era um bom aluno e lhe confessou a vontade de não continuar a estudar e poder ingressar no seminário, como veio a acontecer.
Andou lá a estudar 12 anos e de todos os de Fão que lá andavam, foi o único a concluir os estudos. Lembro-me que fui eu a representar a família no dia em que foi ordenado no Paço. Ao fim de 2 ou 3 anos de estar como secretário do Arcebispo, foi colocado em Paradela e Faria, onde esteve algum tempo, tendo depois ido para Rio Covo Santa Eugénia, uma freguesia de Barcelos muito pobre e que já não tinha pároco há mais de 20 anos. Acabou por final lá para sempre a viver, pela grande estima que tinha de toda a gente.
Quando o António Lopes, que veio desmobilizado do serviço militar dos Açores, regressou a Apúlia, mas frequentava Fão, acabando por nos conhecermos. Os meus pais não queriam que nós namorássemos e o facto de meu irmão já estar no seminário, parecia ainda também não ajudar muito. ”


Ajudante do marido alfaiate e Guarda Fiscal

NF- Casando com um Guarda Fiscal alterou muito a sua vida ?
D. Dina- ”Bem, ele quando veio da tropa trabalhou como alfaiate lá em Apúlia, mas pouco depois alistou-se para Guarda Fiscal. Quando entrou foi logo colocado no Alentejo, o que nos custou bastante, pois ainda lá esteve 2 anos. Depois veio para S.Paio de Antas e mais tarde para Apúlia, onde esteve 6 anos, altura em que nos casamos. Finalmente veio para Esposende, onde ficou até à sua reforma. Estivemos a morar em Esposende durante 5 anos, onde nasceram as nossas filhas Filomena e Isabel e acabei por deixar a costura para me dedicar à vida doméstica, aos filhos e a ajudar o meu marido que nas folgas e tempos livres trabalhava como alfaiate. Ele tinha muito trabalho nessa actividade e chegou a fazer as fardas para a Guarda-Fiscal e para a GNR. Eu caseava, rematava e pregava os botões, pois não havia máquina para isso naquele tempo. Claro que o trabalho como guarda-fiscal, obrigava-o a fazer turnos de noite ou de dia e isso era sempre complicado, mas fomo-nos habituando. Ainda esteve uns tempos em Valença do Minho, quando foi promovido a 1º cabo, mas depois regressou para cá. ”

Regresso definitivo a Fão

D. Dina- Nos princípios de 60 viemos para Fão, curiosamente para a casa onde vivera com os meus pais, que acabamos por comprar, pois antes era alugada. Era uma altura importante, pois as minhas filhas iam entrar para a escola. Entretanto, o Lopes deixou de exercer como alfaiate pois já não tinha tanta disponibilidade e apenas fazia umas roupas para ele e para o nosso filho José, que havia já nascido em Fão.
Passamos então a dedicar-nos um pouco às nossas terras, onde cultivávamos alguns produtos, principalmente a vinha, que havia aprendido a tratar com os meus pais e que para além do consumo caseiro ainda dava para vender algum. “


Marido, filho e genro nos Bombeiros, uma satisfação

NF- Como vê o Fão actual e que pensa do trabalho nas instituições dos familiares, como foi o caso do seu genro na Junta?”

D. Dina- “Fão teve a sua época áurea há 50 anos, quando se fizeram os hotéis e as casas da praia. Depois perderam-se as fábricas, os hotéis fazem guerras uns aos outros, acabaram-se os pescadores e as varinas, entre outras actividades que davam vida ao centro da vila. Acho que Fão não evoluiu como seria de esperar, sei que a forma de viver é diferente, mas estamos numa terra um pouco “morta”, com muitas casas em ruínas no centro, pois as pessoas agora querem casas novas e as velhas acabam por ficar abandonadas e irem ao fundo. Antes havia maior convívio e camaradagem entre os fangueiros
Sobre a participação nas instituição, gostei muito que o meu marido tenha pertencido à direcção dos Bombeiros, que acho uma instituição exemplar, onde também esteve o meu filho e ainda lá está o meu genro José Artur. Aí as pessoas tem amigos e sempre foram estimados. Pelo contrário não gostei nada que o José Artur tivesse entrado para a Junta, pois é um lugar só para dar problemas e muitos incómodos e claro para a minha filha, também não era muito bom.
Gosto muito da minha terra e de andar, pelo menos enquanto puder e a saúde o deixar, sendo o meu local preferido o Cortinhal, pois para além de bonito e agradável, é abrigado e tem sempre gente.”


A “Dininha do Cabo do Mar”, nossa vizinha de longa data, é uma senhora ao velho estilo fangueiro, uma “guerreira” resistente que fez frente a muitas batalhas, algumas delas a deixarem-lhe grandes sequelas, como foi a perda prematura do seu filho José, que na altura chocou Fão inteiro. O tempo e a experiência de vida transmitiram-lhe uma coragem férrea, como os pilares da velha ponte D. Luís, nosso ex-libris e orgulho de um Fão de grandes exemplos como alguns que vão passando, nas memórias daqueles que nos dão o privilégio de Recordar connosco.