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JOAQUIM JESUS CARLOS

Já na casa dos oitenta, o “Joaquim Cordoeiro”, ou “Quim Frade”, como também é conhecido popularmente em Fão, é daquela geração, de famílias numerosas, parcos recursos e em que se trabalhava de sol-a-sol para sobreviver, mas que sua tenacidade e vitalidade conseguiram sucesso quer a nível profissional, quer como directores das nossas associações. Por isso mesmo, são pessoas com muitas experiências e testemunhos que tentamos transmitir neste espaço.

Cordoaria fundada pelo avô, um negócio que envolvia a família

NF- Conte-nos quais as suas origens e como começou o negócio das Cordas
Joaquim Carlos - ””Eu sou um dos 5 filhos do Joaquim Carlos e Rosa de Jesus que era natural de Gemeses e neto de António Carlos, uma família antiga de Fão.
Meu avô António, foi o fundador da Cordoaria aqui no lugar do Alto, por trás do Hospital. Era conhecida pela Cordoaria do “Frade”, que era uma alcunha de família. Com ele trabalhavam duas tias minhas a Rosália e a Maria e o seu marido João. Como empregado teve o António “Pataco” e o “Preço Xis”, que continuaram com o meu pai, que tomou conta da Cordoaria mais tarde.”



Assumindo os destinos da família aos 17 anos

NF- Quando começou a trabalhar na cordas e quando lhe tomou as rédeas?

Joaquim Carlos- “Era ainda menino e frequentava a escola, já ajudava o meu pai, tal como os meus irmãos, mas o meu irmão Manuel mais tarde foi trabalhar para a fábrica do Felgueiras e quando o meu pai faleceu, com apenas 57 anos, apenas fiquei eu e o António Carlos, conhecido por “Hortêncio”.
Tinha eu então 17 anos e vi-me como encarregado do negócio e da família, que sobrevivia disso. Como empregados cheguei a ter o Ascânio e o Joaquim Graça dos “Menas”.
O trabalho das cordas era muito árduo e trabalhávamos enquanto houvesse luz do dia. Nós usávamos essencialmente o sisal, que vinha de Angola e depois adquiríamos num grande armazém em Cortegaça que o enviava de comboio até à Póvoa de Varzim, pois nessa altura ainda havia também transporte de mercadorias até aí e depois era transportado para Fão num camião da Linhares.


Venda nas feiras e até à porta da igreja

NF- Fale-nos dos meios técnicos, quantidade de fio produzido e como o comercializava

Joaquim Carlos- ” O principal eram as rodas de madeira, uma mais pequena, que já era do tempo do meu avô e outra maior que mandamos fazer na fábrica do Albino Torres, depois havia as cruzetas e as moretas, que sustentavam os fios e os carretos, com vários tamanhos, conforme a espessura de fio pretendido. O fio era estendido numa distância de cerca 100m e nós fazíamos uma média de 50 a 60 quilos de fio por dia.

Para além do sisal também trabalhávamos com algodão, que era usado para fazer o fio de pesca e era comprado numa fábrica de fiação de Barcelos e que vinha em bobines.
O comércio era feito essencialmente nas feiras e alguns armazéns aqui na zona do Minho. Mas também cheguei a vender á porta da igreja de Marinhas, onde diga-se, tinha bons clientes, pois os agricultores eram os nossos principais compradores. A minha melhor cliente era a Júlia de Freixo, para quem enviava a mercadoria num camião que alugava nas Necessidades e a descarregava em Ponte de Lima. ”


As cordas plásticas foram o fim da cordoaria

NF- Como se extinguiu o negócio e como sobreviveu?
Joaquim Carlos- “Bem…o aparecimento das cordas plásticas foi o fim da cordoaria, uma autêntico desastre e nós tivemos de abrandar a produção pela pouca procura, pelo que depois acabei por ficar só a trabalhar com a minha esposa Maria Gonçalves Palmeiro. No entanto, eu também comecei a comercializar as cordas plásticas que comprava nos armazéns da “Score” de Esmoriz e mais tarde no Quintas e Quintas da Póvoa. Depois comecei a vender nas feiras várias alfaias agrícolas e outros materiais caseiros como cabos de sachola, engaços, peneiras, crivos, cabedais e algum pequeno mobiliário.
Mais tarde fui intensificando a venda de mobiliário de pinho, que comprava numa fábrica de Tadim, enquanto se acabava de vez com as cordas, estávamos já nos anos 80, pois o aparecimento de tractores, equipamentos eléctricos e a motor, foi acabando com o trabalho agrícola totalmente manual.
Dei-me bem com a venda de mobília até que passei o negócio ao meu filho Luís Carlos, que o mantém com bem maior projecção. ”
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Foi também um homem muito dedicado a algumas associações…

Joaquim Carlos- ”Sim, principalmente no futebol, na junta e nas comissões de festas.
No futebol, quem me seduziu foi o Artur Sobral, numa altura em que ninguém queria tomar conta do clube, creio que em 1972. Arranjei uma equipa de amigos, com quem me associei durante vários anos, como foram os casos dos irmãos António e Luís Viana e o António Figueiredo, entre outros. Não foi uma tarefa fácil, mas eu nunca traí a confiança de ninguém em qualquer das associações em que me meti, o que não poderei dizer de outras pessoas que estiveram comigo. O certo é que toda a gente colaborava comigo e eu dava tudo de mim, com muitos custos pessoais envolvidos, mas uma enorme satisfação do dever cumprido, no bem da terra.
Na junta recordo-me do meu empenhamento no abate das velhas árvores da praça, que estavam em estado calamitoso, das novas que plantamos na escola e a construção do primeiro chafariz no largo do Cortinhal. Trouxe as pedras na minha carrinha de Gandra com o Zé Maria Matias e o Armando “Carneiro”, tendo deixado de trabalhar durante esses dias e o Alípio Jesus fez-nos a instalação eléctrica, mas na inauguração fiquei um pouco decepcionado com alguns colegas que não apareceram, talvez por não terem protagonismo.

Outra situação que não me esquece foi quando fui buscar a estátua do Prior Nogueira a Gaia e foi inaugurada no dia 15 de Agosto, para o qual fiz um peditório com o meu vizinho e amigo Manuel Martins.
A Pã-Pã era o nosso “quartel general”, onde nos encontrávamos e decidíamos muitas coisas para as instituições que dirigimos e não só. Foi aí que o Zé Maria Matias da Confraria do Bom Jesus, me convenceu a fazer as Festas do Senhor Bom Jesus também numa altura de grande impasse. Com o meu carro percorri centenas e centenas de quilómetros a meu custo para tratar dos assuntos relacionados com as festas, pois nessa altura ninguém vinha cá se oferecer. No entanto, nas últimas festas em que participei estive para desistir a meio, pois encontrei coisas que não me pareceram muito sérias, com alguns colegas a traírem a minha confiança.
O António Viana foi um grande mobilizador em Fão e com ele embarquei em várias iniciativas e o António do Lírio foi também um homem muito sério e empenhado.”


A caça e viajar como passatempos e o “estado da nação” da terra

NF- Quais os passatempos preferidos de ontem e de hoje? E como vê Fão actualmente?
Joaquim Carlos- ”Enquanto pude, viajei um pouco por todo o país, mas agora as forças já não são tantas e com a minha esposa internada no hospital, tenho uma vida bem mais pacata, embora goste de dar uns passeios a pé ou de bicicleta, indo muitas vezes até á praia e era também um grande aficionado da caça, chegando a ir para Trás-os-Montes, Monforte, Santa Eulália e Elvas, com alguns fangueiros como o António Carreira, o Alípio, o Castilho e outros, mas da família só iam para fazer companhia, pois ninguém mais caça..

Sobre a nossa terra, tenho a dizer que as nossas instituições estão bem organizadas e temos à conta disso excelentes equipamentos como o Hospital, o Lar, o Centro de Dia, o Centro de Saúde, o Centro de Dia, o Quaterl dos Bombeiros e o Estádio que é uma obra que me enche de orgulho como fangueiro e como antigo director.
Acho que Fão perde nos pequenos pormenores, que até não são tão pequenos como isso. Por exemplo a nossa praia, sem estacionamento para quem a procura, desde autocarros a automóveis, o estado dos passadiços, o desleixo das casas de banho. Tudo isto afasta gente de Fão e os comerciantes da zona de Ofir é que perdem, quando já tem de viver da sanzonalidade. Eu conheço toda a costa litoral do país e vejo que Fão está a perder em relação à esmagadora maioria das praias, notando-se um enorme falta de zelo.
Pelos comentários que ouço no exterior, de que “Fão é quem menos chateia a Câmara”, dá para comprovar a falta de reivindicação dos nossos representantes.
No centro, o perigo das passadeiras e o grande número de casas em ruína é evidente e preocupante e aqui acho que a Câmara tem que ser mais interventiva, para alterar isso, começando por obrigar os donos a limpar, preservar melhor os edifícios ou recuperá-los, antes que eles caiam em cima de alguém.”


E que palavras mais sábias não poderia ter o nosso entrevistado, precisamente hoje (20 de Julho), em que foi anunciado uma ajuda comunitária de 130 milhões de euros para a requalificação urbana. Claro que para isso, são precisos projectos credíveis e sustentáveis de forma a que esses espaços sejam rentabilizados, como aconteceu noutras vilas e cidades. Mas para isso, era preciso arrepiar caminho, avançando com propostas de investimentos, com a cumplicidade de alguns proprietários e empresários, que poderiam fazer Fão dar um salto qualitativo e de novas oportunidades, que com certeza traria outra qualidade de vida, outra procura e mais emprego.
Rematando, este Recordar com Joaquim Carlos foi mais um interessante depoimento de alguém que apesar da idade não se alheia dos interesses e carências da terra que o viu nasceu e para a qual deixou um importante contributo, sempre com muita voluntariedade e humildade.