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ANA DA COSTA FIGUEIREDO

Da tristeza de ficar com a mãe gravemente doente, ainda criança, a “Aninhas”, teve a felicidade de encontrar um segundo lar e uma segunda mãe, que lhe trouxe a felicidade e o conforto que o lar materno jamais lhe poderia dar.



Pai carpinteiro da ribeira e bombeiro da fundação

Aninhas- ”Eu nasci em 1937, filha de Ciro Gonçalves Figueiredo e Almerinda Correia da Costa, ambos naturais de Fão, embora a minha avó materna tenha vindo de Esposende. O meu pai era carpinteiro da ribeira, ou seja, trabalhava na construção naval, tendo trabalhado nos estaleiros navais de Setúbal, Viana, Fão e Vila do Conde. Por isso, estava muito tempo fora e a minha mãe andava a vender pelas aldeias, principalmente peixe e lembro-me muito pequenina que ela trazia de volta frutas e legumes. Eu e a minha irmã Fátima éramos as mais novas, entre 6 filhos, mais os quatro rapazes (António, Manuel, Ciro e Carlos) e ficávamos em casa das nossas tias que viviam no Largo do Fontes, enquanto a mãe andava pelas aldeias.
Quando a minha mãe adoeceu, o meu pai trabalhava nos estaleiros de Vila do Conde, para onde se deslocava a pé, pelo que saía de casa na segunda de madrugada e chegava na madrugada de sexta para sábado. Sei que era admirado pela sua valentia como bombeiro, no tempo em que tinham de empurrar a charrete, para acudir aos fogos. O sinal era dado pelos sinos da igreja da Misericórdia e o povo acorria com baldes para ajudar a combater os sinistros. Também me recordo, quando os sinos da Matriz tocavam para a extrema unção a alguém que se “apagava”. Logo se juntavam várias pessoas, que rezavam e cantavam o “bendito”.


Um novo lar…

NF- E então como foi o seu acolhimento?

Aninhas- “Bem…Eu costumava andar a brincar na rua de Baixo (actual Prior Nogueira), onde havia uma loja de tecidos da “Candinha Alaia” e da D.Elvira Silva (mãe da D. Aracy), senhoras que eram muito boas e gostavam muito de nós. Quando a minha mãe adoeceu da cabeça, perdendo completamente a razão, elas preocuparam-se connosco e sabiam das carências com que se vivia na nossa casa. Ora por esta altura uma prima da D. Elvira, Almerinda Casanova Moledo, havia regressado do Brasil, após ter enviuvado e não tinha filhos, apenas tinha a companhia de uma velha criada chamada “Mariquinhas”. Por outro lado também a sua filha Aracy, que casara com o Artur Sobral, tinha regressado, ainda sem filhos. Então ela e a Candinha, trataram de seduzi-las a ficarem connosco. E assim foi, depois de falarem e terem o acordo da minha mãe, eu fui para casa da D. Almerinda e a Fátima ficou com a D. Aracy. Não me esquece nunca, que me arranjaram muito bem, com roupas novas e lavadas, o que muito me envaideceu naquele dia. A Fátima tinha apenas 5 ou 6 meses e levaram-nos no dia 9 de Janeiro de 1942. O meu pai, que só vinha ao fim-de-semana, ainda não sabia do sucedido e quando chegou, foi a casa das minhas tias para nos ver e ao ver o berço da Fátima vazio e que eu também não estava, pensou que tínhamos morrido, como havia acontecido com um bebé nosso irmão. Aquele valente homem, ia entrando em pânico, mas quando soube o que acontecera, deu graças a Deus pela nossa sorte, pois sabia que não tinha grandes hipóteses de nos criar e que nós ficávamos em boas mãos.

Uma segunda mãe

Aninhas- ”No nosso tempo de crianças, enquanto os rapazes se divertiam a jogar com a bola de trapos, aos botões, com as “ganchorras” e a descerem a rampa da igreja com as motinhas de pau, nós as meninas jogávamos aos “tachos” com pedras e à viana, entre outras coisas.
Mas eu tive muita sorte, pois a D. Almerinda foi uma verdadeira mãe e que me deu muito amor e conforto, numa época em que havia muita miséria. Educou-me com todos os parâmetros da boa educação e religiosidade. Era uma senhora muito devota e eu acompanhava-a sempre à igreja. Fiz a catequese no tempo do Prior Nogueira, que era uma figura muito respeitável e marcante naquela época. Lembro-me de quando nos dias mais quentes aparecia com as mangas curtas ele me dizer: - Então a D. Almerinda não tinha dinheiro para te comprar mais tecido para esse vestido? Era portanto, um pouco conservador e rigoroso em certas coisas, mas era também muito dinâmico e empreendedor, tendo realizado as últimas cerimónias da Semana Santa, com todo o ritual completo (como se fazem em algumas cidades vizinhas), o que não mais se fez.
Ela também foi muito previdente na minha educação e acompanhou-me de perto na escola e depois inscreveu-me no Colégio em Esposende. O colégio ficava perto da actual biblioteca e nós que íamos a pé, levava-mos o almoço num farnel, que comíamos nos bancos de pedra que havia ali perto daquele arco que ainda lá está. Embora fosse mais nova, lembro-me de algumas colegas desse tempo, como a Lilly, a Zita e a Mitó e dos professores Dr. Reis e os irmãos Luís e ´ Álvaro Carvalhal. Mas eu não parecia ter grande queda para os estudos e acabei por desistir, para mágoa da minha “Mamã”, como sempre a tratei.
Com ela sempre me habituei e deixei seduzir pela igreja e já jovem, tornei-me catequista e mais tarde jocista convicta e empenhada, tendo chegado a presidente feminina da JOC, já no tempo do Padre Manuel Gonçalves, que sempre admirou o meu trabalho. ”

Casamento e associativismo

Aninhas- “Eu não saía muito, para além da igreja, mesmo em jovem, mas conheci um enfermeiro no Hospital de S.João, quando fui visitar uma colega da JOC, que esteve internada muito doente no Hospital de S. João, no Porto com a “Lili do Rufino” e a “Gininha do Maçarico”. Depois de um passeio organizado pela JOC, ele também participou e a partir daí comecei a namorar com ele (Domingos). Mas não foi uma coisa muito a sério e acabou por passar. Mais tarde, quando o António Solinho, um mestre de obras das Pedreiras andava a fazer umas obras lá em casa ( ele era o empreiteiro de confiança da D. Almerinda), trouxe um filho para o ajudar, também António, que havia estado em Angola e entretanto regressara. Neste período que demoraram as obras, foi-se mostrando interessado em mim e acabámos por namorar e depois veio a pedir-me em casamento, o que teve a concordância da Mamã, pois conhecia bem a família. Isto foi pouco antes de ter emigrado para França onde esteve cerca de 2 anos e depois regressou para casarmos. Eu e o António tivemos uma vida boa e feliz, mesmo não tendo ido com ele para França, onde esteve ainda vários anos emigrado, mas eu nunca quis sair daqui, até porque tinha de acompanhar a minha “mamã”, que precisava de mim. Depois, conseguimos fazer bons negócios, pois entendíamo-nos bem também nessa área e fizemos alguns bons investimentos. Pena, que depois não acabasse bem a nossa relação, devido a algumas mudanças bruscas de comportamento.
Mas, se eu em jovem tive uma vida muito activa na JOC, também me envolvi no Grupo Coral, no tempo do Padre Borda e que me deu muito prazer e criamos elos muito importantes na nossa comunidade. Ainda hoje faço com gosto, parte do Grupo Coral paroquial.
Na Cooperativa, apareci pelas mãos do António Viana, que era um bom amigo e me seduziu a entrar, pois precisavam de alguns elementos femininos, numa altura em que se fez uma exposição de trabalhos dos Irmãos Matias. Gostei e entrei logo para sócia e nunca mais sai. Criamos na Cooperativa um grupo interessante e o António Viana era um homem que nos mobilizava ainda mais. Depois entrei para a direcção e tenho estado em todas as actividades dando o melhor que sei e posso, porque Fão precisa de ser valorizado culturalmente e não se podem deixar morrer algumas das nossas mais belas e antigas tradições”
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Apesar de algumas boas obras e actividades, Fão deixou-se ultrapassar

Aninhas- ”Se me falas do Fão de hoje, devo dizer que tivemos algumas coisas boas. Por exemplo, acho que pela igreja tivemos sorte com o novo pároco, pois com o Padre Manuel Rocha, todas as cerimónias religiosas são muito bem organizadas e é uma área que eu sempre acompanhei de muito perto. Mas no cômputo geral, eu sinceramente acho que caímos nalgum marasmo e nos deixamos ultrapassar pela maioria das aldeias. Fão era uma terra invejada no passado, pois era o centro das atenções do concelho e não só, quer pelas nossas condições naturais, quer pelo dinamismo e bairrismo dos fangueiros de outros tempos. A nossa vila precisa de ser “acordada” de algum adormecimento. Eu gosto muito da minha terra e gosto de colaborar com algumas actividades que nos tragam benefícios, não só na Cooperativa, mas por exemplo, com a Fabriqueira, para quem costumo trabalhar na Festa da Cerveja e do Marisco, onde se arranjam mais uns tostões para as obras da igreja.”

Ao contrário de muitas pessoas e nomeadamente senhoras, a D. Aninhas não se deixou acabrunhar, pelas desilusões da vida e desgaste da idade, dedica-se com alegria à família e às actividades da Cooperativa, que aparece nos últimos tempos com alguma vitalidade e gosta de acompanhar de perto tudo de importante que se passa à sua volta e na nossa terra, não se limitando a Recordar…